Por Hilton Coelho e Equipe da Resistência
Negar o racismo no Brasil é coisa de capitão-do-mato. É prática de negacionista, de branquitude, do patriarcado, de bolsonarista.
Negar o racismo explícito no recente episódio de escravidão de duas centenas de baianos em vinícolas gaúchas é uma afronta à memória e resistência secular das vítimas geracionais da colonização.
A Bahia tem exemplos de sobra de uma resistência histórica poderosa: basta lembrarmos da revolução dos búzios, conjuração baiana, os levantes de Zeferina, os quilombos e a luta indígena que ainda resistem, as atuais lutas do povo negro e periférico...
Reconhecer o racismo não é uma questão de opinião. A forma como o racismo estrutura as desigualdades regionais, em diversos sentidos, é uma consolidada agenda de pesquisa acadêmica. O racismo é uma evidência científica, tratada por uma vasta literatura.
Já a categoria do "mau-caratismo", anunciada no plenário da Assembleia Legislativa da Bahia como termo substituto ao de racismo, ainda não conseguiu transcender os discursos de manipulação pseudo-cristãos.
Quando parlamentares bolsonaristas dizem que "somos um só povo", insistindo no uso perverso da falsa ideia de democracia racial, e distorcem o conceito do que seja esquerda, como algo associado a uma "bandidolatria", excluem as existências distintas do que eles traçam autoritariamente como "pessoas de bem" e projetam suas próprias abjeções ao Outro.
A nossa maravilhosa Lélia Gonzalez construiu o seu conceito de "racismo à brasileira" partindo da ideia de "denegação" discutida no campo da psicanálise. O "racismo por denegação", segundo a intelectual negra, parte da negação do racismo, ao mesmo tempo em que produz sua prática.
Em outras palavras, esse tipo de denegação está próximo ao que representa a hipocrisia.
Tomando de empréstimo o conceito de Lélia Gonzalez, podemos dizer que também existe a "bandidolatria por denegação".
Não à toa as "pessoas de bem" bolsonaristas são idólatras de nazistas, de genocidas, de parlamentares que homenageiam milicianos e que sempre estão nas rotas de crimes hediondos, como o feminicídio político de Marielle Franco, e diretamente vinculados a crimes contra a humanidade, como o genocídio dos Yanomamis, o ecocídio amazônico e a política de promoção das mortes de 400 mil pessoas por Covid-19 que poderiam ter sido evitadas.
Uma coisa é certa: esse País, nascido do racismo e do estupro, não teria perpetuado esses dispositivos de violência e controle se não fosse a mão-de-obra dos capitães-do-mato, adestrados desde cedo a torturar e liquidar seus próprios pares.
E o bolsonarismo se valeu disso. Por essa razão colocou na presidência da Fundação Palmares um neo-capitão-do-mato.
Não à toa o bolsonarismo investe em legislaturas de neo-capitães-do-mato na Bahia e em todo o Brasil, a postos a defenderem as elites brancas com todo fervor.
Mas aqui nessa terra, onde a tirania não combina com baianos corações, a RESISTÊNCIA negra e indígena não deita pra racista nem pra capitães-do-mato, fratricidas.
E nós, do mandato da RESISTÊNCIA, com toda nossa força ancestral, estaremos sempre na luta, nas ruas e nas instituições, contra o legado perverso do racismo e da tirania que ainda insistem em querer assombrar o povo baiano e brasileiro.
Ah! Quanto à afirmação feita em plenário da Alba de que eu pertenço a uma "nova elite", um discurso sem fundamento e que é uma aberração cognitiva (tomando emprestado o termo de Marilena Chauí), antes de ouvir conceitos distorcidos do que seja isso, adianto que sou, sim, de esquerda e "ser de esquerda", de forma bastante resumida, é assumir lutas contra todas as formas de opressão.
Entre os exemplos de nossas lutas está o nosso pedido de CPI do genocídio da juventude negra na Assembleia Legislativa da Bahia. Precisamos apurar e responsabilizar a política racista e de extermínio da população negra. Segundo levantamento da Rede de Observatórios da Segurança, referente ao ano de 2020, 100% dos mortos pela polícia em Salvador, por exemplo, são negros. A Bahia , de acordo com o levantamento, se configura como o estado mais letal do Nordeste.
CPIs como essa é que são iniciativa de desconstrução do racismo. E não a defesa das elites que assim se tornaram às custas do sangue das populações que foram escravizadas e depois alijadas da montagem do Estado. Se hoje espaços das institucionalidades estão sendo ocupados pelas vítimas do racismo é porque houve e há muita luta. No entanto há quem deixe de honrar essa luta secular e ancestral.
Será interessante listar todos aqueles que se recusarem a assinar essa CPI para que sejam pressionados pelos movimentos populares antirracistas a aderirem a instauração dessa Comissão Parlamentar de Inquérito.
Com certeza, as nossas vozes da RESISTÊNCIA, das mães das vítimas dessa política racista de genocídio do povo negro, o grito da juventude negra e periférica, o grito dos povos indígenas organizados, entoarão, uníssonos, que "capitães-do-mato não passarão"!