Boipeba: Audiência Pública revela de que lado o interesse do governo estadual está. E não é do lado do povo.
Por Hilton Coelho e Equipe da Resistência

Por Hilton Coelho e Equipe da Resistência

Audiência Pública, puxada por nosso Mandato da Resistência no dia 18 de abril, foi mais um passo para amplificar a escuta mútua dos diversos segmentos envolvidos no "caso de Boipeba": um polêmico empreendimento de luxo, chamado de "Ponta dos Castelhanos", que ameaça se apropriar de 20% da Ilha de Boipeba, localizada no município de Cairu, litoral sul baiano.

Dentro dessa imensa área estão previstas, inicialmente, entre outras construções, 67 residências, duas pousadas de 25 quartos, píer e pista de pouso.

O “caso Boipeba” vem tendo repercussão nacional por se tratar de um empreendimento de luxo cujos sócios da empresa licenciada, chamada de Mangaba Cultivo de Coco Ltda, são José Roberto Marinho, um dos herdeiro do Grupo Globo, e Armínio Fraga Neto, velho conhecido investidor financeiro, de tradicional família latifundiária pernambucana e ex-presidente do Banco Central.

A licença que autorizou o empreendimento é mais uma das diversas aberrações institucionais protagonizadas pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Inema), cujas ações vêm se configurando em ilegalidades, racismo e terrorismo ambiental.

Como bem lembrou o promotor do Ministério Público Federal (MPF), Ramiro Rockenbach, durante a audiência, as áreas em questão são públicas, pertencem à União e estão sob a salvaguarda de comunidades tradicionais que fazem uso ancestral desse território. Caso o empreendimento vá em frente, de acordo com o promotor, com o tanto de inconsistência que apresenta, "é o mesmo oficiar uma grilagem de terra pública".

Diante disso, como é que uma instituição, que deveria garantir a proteção da biodiversidade e dos interesses dos povos e comunidades tradicionais, e, acima de tudo, seguir a legislação, dá licença a um megaempreendimento de luxo, que somente será consumido por parcela restrita e elitizada da sociedade, dando passe-livre para supressão de vegetação nativa de Mata Atlântica e manejo da fauna de áreas classificadas como Unidades de Conservação (UC)?



O governo do Estado da Bahia, ao legitimar a licença dada pelo Inema para o empreendimento Ponta dos Castelhanos, de um consórcio de magnatas, ignora completamente a questão fundiária de Boipeba.

O mais absurdo é que, além da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) e da Defensoria Pública da União (DPU), o MPF fez diversas recomendações em agosto de 2022 sobre o tal megaempreendimento, mas a licença do Inema, publicada no dia 8 de março deste ano, não levou em conta nenhuma delas, que, entre tantas outras questões, apontavam a falta de consistência da documentação apresentada pela Mangaba Cultivo de Coco Ltda sobre o direito de propriedade.

Assim como não levou em conta a voz das comunidades, ignorando a própria Constituição Brasileira e toda as normas de proteção aos Povos e Comunidades Tradicionais pactuadas pelo Brasil, a exemplo da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga a escuta e consulta prévias, livres e informadas aos povos e comunidades tradicionais, quando há qualquer intenção de intervenção sobre os territórios por eles ocupados.

Diante dessa situação absurda, o legislativo baiano tem o dever de se posicionar em defesa dos interesses maiores da população e impedir este atentado social e ambiental.

Por isso que nosso Mandato propôs, além dessa audiência pública, o Projeto de Decreto Legislativo º 02949/23, que suspende a Portaria nº 28.063/23, do Inema, que autoriza o empreendimento criminoso na ilha de Boipeba.

A própria Secretaria de Patrimônio Publico da União, do Governo Federal, após constatar de perto diversos vícios no processo, suspendeu as obras que jamais deveriam ter sido iniciadas, evidenciando o quanto está errada a política de produção de licença do Inema.


Lamentável - O pior de se ver na audiência pública foi a postura do líder do governo na Assembleia Legislativa da Bahia, o deputado Rosemberg Pinto. Ele fez uma fala racista, infantilizadora das comunidades tradicionais da Ilha de Boipeba, atacou a Defensoria Pública e o Ministério Público Federal, colocando a postura dessas instituições democráticas em dúvida e defendeu o indefensável: a postura irresponsável e contraditória do Inema.

Pelo visto, esse deputado quer que o empreendimento seja realizado a qualquer custo. Mas que custo é esse? Para quem? Por que tanta sanha em defender um projeto sem consistência legal a ponto de se juntar ao discurso de deputado bolsonarista para defender magnatas?


Histórico de ilegalidades - Infelizmente o caso de Boipeba não é o único. Ele faz parte de uma gama enorme de arbitrariedades do Inema.

Só para dar mais um exemplo, um relatório feito por instituições de pesquisa, como a UFBA, sobre o cerrado baiano, apontou que, entre 2015 e 2021, o Inema driblou leis e autorizou o agronegócio a desmatar mais de 50 mil hectares de vegetação nativa na região do Matopiba.

Praticamente esse relatório diz que o Inema está passando pano para diversas irregularidades que afrontam normas e leis ambientais.

É preciso dizer que o governo do Estado, tendo à frente do Inema essa política contraditória, de ataques ao meio ambiente e de retirada de direitos, está rasgando todo o pacto costurado entre os povos originários e comunidades tradicionais para a eleição do presidente Lula. Pacto, esse, assentado na priorização da vida e responsabilidade com a biodiversidade e os impactos das mudanças climáticas nos territórios brasileiros.

Não é isso que esperamos e queremos para a Bahia.

Não há mais como adiar a instalação da CPI das Licenças Ambientais que estamos propondo. Não há como adiar a CPI da Grilagem de Terras Públicas por latifundiários. Essas iniciativas são urgentes. Instalar essas CPIs é uma prova de que a Assembleia Legislativa da Bahia está compromissada com a Justiça, com a democracia e interesse público.

E nosso mandato, que sempre busca estar do lado certo da História, na luta com os movimentos populares, estamos aqui para uma escuta cuidadosa, lutando para amplificar os espaços de expressão e vocalização de todos os segmentos atacados por qualquer forma de opressão.