“O SERTÃO VAI VIRAR DESERTO”: Mudanças climáticas na Bahia e o papel da ALBA no futuro do povo baiano
Raso_da_Catarina,_Bahia Foto: Cesar Coelho Wikimedia Commons

Por Marciel Viana*

Você sabia que a Bahia já possui cinco municípios com o Clima Árido? Esse é o estágio de transição entre o Clima Semiárido e o Deserto. O Clima Semiárido é o que predomina na maioria dos municípios da Bahia. Porém, estudos feitos pelo INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pelo Cemaden – Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, revelou que o Clima Semiárido começou a se expandir na Bahia a partir da década de 1970 e o Clima Árido passou a ser registrado após a década de 1990.

Os estudos revelam que os processos de mudanças climáticas estão presentes em todo o território brasileiro. Porém, é no sertão nordestino, na região entre a cidade de Juazeiro – BA e Petrolina – PE, até a cidade de Paulo Afonso – BA que após a década de 1990, vai surgir uma nova classificação climática: a de Clima Árido. 

O estudo do INPE/Cemaden levou em consideração o volume de chuvas por ano que cai em cada município, além da quantidade de água que é evaporada para a atmosfera por conta do calor. Além de revelar a redução do volume de chuvas entre os anos de 1960 a 2020, o estudo revela que no mesmo período, houve o aumento da evaporação das águas que ficam armazenadas nos rios, açudes, lagos e na própria vegetação. Com isso, a umidade relativa do ar diminui, aumentando o índice de aridez.

No período entre 1970 e 2000, a consolidação das monoculturas de soja, milho e algodão na região do extremo oeste baiano, provocou uma onda de desmatamento do Cerrado baiano, na principal área de recarga hídrica da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que é o Aquífero Urucuia.

Em 2021, a SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste atualizou a lista de municípios que passaram a integrar o Clima Semiárido. Para além dos municípios que fazem parte do litoral e da zona da mata baiana, apenas Luiz Eduardo Magalhães, no extremo-oeste da Bahia, se encontra fora da delimitação do Clima Semiárido no Estado da Bahia.

Ainda de acordo com os estudos do INPE/Cemaden, os principais fatores para as mudanças climáticas é o aquecimento global. Que além dos gases emitidos pelas indústrias dos países desenvolvidos, tem o desmatamento e as queimadas como a principal fonte de aquecimento nos países subdesenvolvidos, a exemplo do Brasil. Nos últimos anos, as ondas de calor e as tempestades de poeira ficaram recorrentes na região Oeste da Bahia. O motivo desses fenômenos extremos é o desmatamento do Cerrado baiano.

A região Oeste da Bahia é coberta por um dos maiores aquíferos do Brasil, o Aquífero Urucuia. No seu passado geológico, mais precisamente no final do período Mesozoico, cerca de 70 milhões de anos atrás, o Urucuia era um grande deserto de areia. Após as mudanças nas estruturas geológicas e climáticas do planeta, o Deserto do Urucuia se transformou em um grande “bloco de rocha” que passou a receber as chuvas produzidas pela floresta amazônica e “estocando” as águas das chuvas nessa grande camada de Arenito (a areia se transformou em uma rocha bastante porosa).

A maior parte do Aquífero Urucuia se encontra na região Oeste da Bahia e uma pequena parcela cobre o norte de Minas Gerais, o extremo leste do Goiás, o sudeste do Tocantins e o extremo sul dos Estados do Maranhão e Piauí. Dessa forma, o Urucuia se torna responsável por uma pequena parte das águas que abastece a Bacia do Rio Tocantins, outra pequena parcela que abastece a Bacia do Rio Parnaíba e é o responsável por mais da metade do volume de águas da Bacia do Rio São Francisco. Ou seja, o desmatamento do Cerrado no Oeste da Bahia, põe em risco a segurança hídrica de regiões que já vivenciam a redução das chuvas, sobretudo dos municípios da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, que margeiam o Rio São Francisco.

Diante desse cenário de mudanças climáticas em curso no Estado da Bahia, a ALBA não pode postergar mais este debate e precisa pautar com celeridade as principais políticas ambientais da Bahia que contribuem para essas mudanças climáticas, a exemplo das Autorizações de Supressão Vegetal, a liberação de Outorgas para grandes áreas de irrigação, as licenças para a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCH’s nos principais afluentes do Rio São Francisco, a exemplo da construção da PCH – Santa Luzia no Rio Grande em São Desidério. Precisamos pautar na ordem do dia essas políticas ambientais para que a ALBA busque junto com a comunidade científica e moradores diretamente atingidos dessas regiões, soluções para a melhor convivência com as mudanças climáticas.

*Marciel Viana é geógrafo, professor, pesquisador, militante do PSOL-BA e coordenador do Eixo Ambiental do Mandato da Resistência.