Criança não é mãe, estuprador não é pai, gravidez na infância é tortura! Estatuto do Estuprador deve ser derrotado!
Por Marcela Prest

Por Marcela Prest*

Mais de 20 mil meninas estupradas engravidam por ano. Ignorando essa realidade, fundamentalistas defendem projeto batizado de "Estatuto do Nascituro", que na verdade criminaliza a vítima de estupro e amplia os direitos do estuprador



A cada 20 minutos, uma criança estuprada tem filho no Brasil. São mais de 70 partos por dia. Mais de 20 mil meninas estupradas engravidam por ano, sendo a maioria delas negras, e seus estupradores são pessoas conhecidas/próximas das crianças. Em 2021 foram 66.020 estupros no país, 4,2% a mais que em 2020. Somos o 4° país do mundo com mais casamentos infantis e caminhamos a passos lentos para reverter esta prática, que viola o direito à infância, além de representar risco à vida, já que a chance de morte é 4 ou 5 vezes maior em gestações de crianças e adolescentes do que de pessoas adultas.


Só no primeiro semestre deste ano, a Bahia registrou 407 casos a mais de violência sexual contra crianças e adolescentes do que nos seis primeiros meses de 2021, o que representa 16% de aumento. Todas essas vítimas poderiam, em caso de gravidez decorrente do abuso, ter tido a garantia do aborto legal, seguro e confidencial, como prevê o codigo penal desde 1940, tanto para casos de estupro quanto de risco de morte para a pessoa gestante. Além do mais, recentemente, uma decisão da Justiça estendeu o aval para casos de anencefalia do feto. Mas mesmo garantido há 80 anos, o direito ao abortamento segue sendo atacado e dificultado.


Nesse cenário, podemos resgatar alguns episódios recentes como: a proposição do Projeto de Lei 5435/20, conhecido como “Bolsa Estupro”, que visava conferir paternidade a estupradores e auxiliar com salário mínimo mulheres coagidas a parir o fruto de um estupro; a portaria 2.561/2020 do Ministério da Saúde (MS), que obriga hospitais a comunicar às autoridades policiais casos de violência sexual, constituindo constrangimento às vítimas que desejem acessar o direito ao abortamento legal; a edição do novo manual do MS, chamado de "Atenção Técnica Para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento", que generaliza qualquer procedimento de aborto como crime e afirma que a pessoa só estará livre de punição se comprovar, via investigação policial, que é um caso previsto em lei.



Além desses ataques, nesse último mês foi retomada a tramitação do Projeto de Lei 478/07, de autoria dos deputados Luiz Bassuma (Avante/BA e PT à época) e Miguel Martini (PHS/MG à época), chamado por eles de Estatuto do Nascituro. Esse projeto está mais para Estatuto do Estuprador, pois fala em "proteger a vida desde a concepção", concedendo a embriões os mesmos direitos de pessoas já nascidas, ampliando a criminalização do abortamento para as situações que hoje são permitidas por lei. O projeto viola o princípio constitucional do Estado Laico, impondo que a vida começa a partir da concepção a partir de uma visão religiosa, mesmo quando não existe consenso científico a esse respeito. As consequências desse absurdo serão aumento dos casos de aborto inseguro e da mortalidade de gestantes, que já é imensa em nosso país e nos últimos 2 anos cresceu 77% – sendo metade delas de pessoas negras.


O projeto já foi para pauta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher duas vezes em menos de um mês, a partir da articulação da base aliada de Bolsonaro, para manter a mobilização após a derrota eleitoral através de uma agenda fundamentalista. O governo genocida contava com a dispersão gerada pela Copa do Mundo para conseguir uma vitória no apagar das luzes, mas nós, dos Movimentos Feministas, estávamos atentas!  Nossa mobilização nas redes, no Congresso e nas ruas barrou esse retrocesso, com destaque para a bancada feminista do PSOL, que de forma brilhante defendeu a vida das crianças, mulheres e pessoas que gestam!


Por isso a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, conjuntamente com diversas outras organizações, lançou, a campanha “Não ao Estatuto do Nascituro”. A iniciativa busca pressionar o deputado Emanuel Pinheiro Neto e o MDB para que o projeto seja retirado da votação, de maneira que honrem o compromisso de não votar nenhuma pauta-bomba até o final do ano, conforme acordado entre o Gabinete de Transição e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG).

E você já assinou nossa campanha? É pela vida das meninas, mulheres e pessoas que gestam! Assine já! https://naoaoestatutodonascituro.mapadoacolhimento.org.br/

Não podemos vacilar! Nossas vidas são inegociáveis!


*Marcela Prest - Doula, mãe, professora, militante feminista, do Psol Feira de Santana e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Corpo-Territótio Decolonial (UEFS).

Imagem: Assessoria PSOL