Ministério Público investiga projeto de Rui Costa que visa desmonte do patrimônio baiano
Por Equipe da Resistência

Um esquema obscuro e insistente acaçapado por um Projeto de Lei (nº 24.160/2021) de iniciativa do governo do estado da Bahia, que pretende vender 27 glebas e imóveis públicos, uma alienação bilionária que envolve equipamentos como o Detran, Rodoviária e o antigo Centro de Convenções do estado, tem sido cada vez mais tensionado e desfiado como um novelo. Depois do Mandato da Resistência ter conseguido judicialmente uma liminar interrompendo a tramitação do PL na Assembleia Legislativa, por insuficiência de informações para o exercício parlamentar sobre a matéria, foi a vez do Ministério Público da Bahia (MPBA).



Em audiência no último dia 20, convocada pelo MPBA, uma informação nova revelada institucionalmente pela diretora de Administração de Bens Imóveis da Secretaria de Administração do Estado da Bahia (SAEB), Laura Santos, como porta-voz do governo, passa a ser alvo de preocupação do Ministério Público e de autoridades presentes na audiência. Além de alocação para amortecer rombo bilionário do Fundo Financeiro da Previdência Social dos Servidores Públicos da Bahia (Funprev), parte dos recursos da venda dos imóveis, segundo Santos, deve ficar a cargo da Empresa Baiana de Ativos - Bahiainvest, que opera o Fundo Garantidor das Parcerias Público-privadas (PPPs) do estado.



"A lista desses imóveis sem destinação começou a ser feita há dois anos, aliada à Bahiainvest", informou Santos na audiência. Ela afirmou que notas técnicas feitas com base nos dados do Sistema de Controle de Imóveis da Administração Direta do Estado (SIMOV), onde consta o cadastro dos imóveis públicos estaduais da Bahia, foram encaminhadas à Casa Civil em dezembro de 2019, para embasar o projeto de elaboração de alienação de áreas públicas, e que, posteriormente, retornou à sua Diretoria uma lista com os 27 imóveis e glebas citados no PL 24.160/2021, para desafetação e alienação.


De acordo com Laura Santos, parte dos imóveis citados pela Casa Civil não constava no documento técnico feito por sua equipe. Entre os imóveis incluídos pela Casa Civil estão as glebas da rodoviária, do Detran, e a do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador (Cesat) , localizada no Canela. "A decisão sobre quais imóveis devem ser vendidos ou não é de gestão, é uma decisão política, não está na orçada de minha diretoria", acrescentou.


Riscos - A professora da Faculdade de Arquitetura da Ufba, Ana Fernandes lembra que as sedes do Detran e da Rodoviária já têm sido "aventadas como contrapartidas a PPPs" implementadas pelo governo do estado desde o metrô. "Agora isso se repete com a Ponte Salvador - Ilha de Itaparica. Os road shows e as apresentações na bolsa de valores de São Paulo expressam isso com clareza", adverte. Fernandes lamenta ainda que a financeirização desse processo tenha sobrepujado a ampliação da política de habitação no estado.


O deputado Hilton Coelho (PSOL) cobrou na audiência que seja esclarecida a relação entre a Bahiainvest e a alocação dos recursos das alienações dos imóveis. "A Bahiainvest está objetivamente mergulhada nesse projeto da ponte. Já foi inclusive anunciado que 20% do capital desse fundo garantidor serão oriundos da Bahiainvest. O governo do estado precisa informar também qual o percentual que vai para cada destinação. Rui Costa está indo no mesmo caminho de desmonte do patrimônio público, como vem fazendo a prefeitura de Salvador. São 159 Fontes Novas em questão", afirmou o parlamentar. Coelho anunciou, ainda, que não chegou a receber até o dia da audiência, as informações solicitadas por seu mandato ao governo do estado, como alegou a assessoria da Saeb na imprensa. "Muito estranho não termos recebido eletronicamente, nem fisicamente essa resposta", afirmou.


O arquiteto e urbanista Luiz Antônio de Souza, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), seção Bahia, advertiu que a Bahiainvest tem uma "visão limitada" em relação à necessidade de se pensar política pública urbana. "Uma carteira de imóveis dessa magnitude trabalhada dessa forma é algo muito preocupante", disse . Ele ainda critica a resposta da Saeb ao pedido de esclarecimento feito pelo IAB sobre o PL: "O que foi apresentado é uma completa desconsideração às instituições e à sociedade. Não se pode tratar os terrenos em questão como se fossem terrenos quaisquer. Estamos falando de mais de 1,9 mil hectares de terra. Há uma completa insuficiência de informações para se avaliar qualquer coisa".


Obscuridade - "Quero registrar aqui a reprovação do Ministério Público. É na verdade inacreditável que se coloque à venda 27 terrenos dessa monta sem documentação suficiente, sem debate público. Por que essa dificuldade de prestar informações de interesse público? Só encaminharam o que já estava no SIMOV. Até agora não houve nenhuma justificativa técnica para se alienar esse imóveis", protestou a promotora de justiça, Hortênsia Pinho.


A promotora Rita Tourinho, também presente na audiência, advertiu que muitos desses imóveis ainda estão ocupados e atendendo a uma finalidade pública. "Acho que esse processo está sendo feito de forma muito afobada. Um imóvel que ainda está sendo usado não pode ser desafetado ou alienado", disse.


Além da ausência do secretário em exercício da Casa Civil, Carlos de Mello, as oitivas por parte do governo não acrescentaram as informações requisitadas pelo desembargador Paulo Alberto Chenaud, que deferiu liminar pedida pelo parlamentar do PSOL. A audiência foi finalizada sem que as poligonais, valores de mercado, usos anteriores e esclarecimentos precisos e objetivos sobre a destinação dos imóveis e dos recursos tivessem sido apresentados. 


Em meio à dificuldade que representantes da sociedade civil, autoridades acadêmicas e mandato parlamentar têm em conseguir essas informações de "grande interesse público", como descreveu a procuradora Rita Tourinho, o governo Rui Costa pressiona pela volta da tramitação do PL em caráter de urgência, sob a anuência do silêncio dos parlamentares governistas, e mesmo de oposição interessados nas consequências da aprovação apressada do PL.