Na contramão da tendência no mundo, Rui Costa quer entregar os serviços de saneamento e distribuição da água à iniciativa privada
Por Hilton Coelho*

O Chile tornou-se neste ano o mais novo exemplo entre centenas de países e cidades no mundo que decidiram reestatizar o controle e gestão dos recursos hídricos e saneamento, seguindo Berlim, Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique) e La Paz. Isso, sem contar os casos emblemáticos, no Brasil, de 77 municípios de Tocantins, e de Itu, em São Paulo, que sofreram reestatizações. 

De acordo com relatório do Centro Experimental de Saneamento, da Universidade Federal do Rio de Janeiro  (UFRJ), essas reversões estão se dando devido a "tarifas altas, falta de transparência, evasão de divisas (muitas companhias estão em paraísos fiscais), valores excessivos pagos aos executivos e elevados dividendos repassados aos acionistas das empresas". Ou seja, "um quadro de financeirização e, consequentemente, de priorização de retorno aos investidores, em detrimento da qualidade dos serviços prestados". Os casos de privatização de Manaus, que passou a ter o pior índice de cobertura de saneamento, e de Alagoas, onde chegaram a ocorrer diversas manifestações populares por conta da queda de qualidade do serviço prestado, confirmam isso.


Bahia em risco

Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) vem articulando o contrário da tendência no mundo em que mais de 260 empresas foram reestatizadas. Através do Projeto de Lei 24.362/2021, que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa, ele quer entregar à iniciativa privada responsabilidades que deveriam ser garantidas pelo Estado de Direito. Entre elas, estão na mira dos interesses privados a distribuição da água tratada e o saneamento. 

O argumento de que a privatização atrairia investimentos para a melhoria dos serviços públicos de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos não corresponde à verdade. 
Com o projeto já na gaveta há alguns anos, Rui Costa só estava esperando o respaldo do "novo marco regulatório do saneamento" para apresentar o projeto e pedir pressa na votação. O governador tem argumentado que precisamos nos adequar à legislação nacional, mas só a Bahia está fazendo essa adequação no ritmo que ele está propondo. 

Na verdade, nenhum estado apresentou uma lei similar ao que Rui Costa apresentou aqui na Bahia. Essa lei nacional ainda está sob judice. O STF ainda avalia a  constitucionalidade dela. Fora isso, esse novo marco regulatório é flagrantemente privatista e voltado, portanto, à fragilização das empresas estaduais. No nosso caso, da nossa Embasa. Seguindo a perspectiva de Bolsonaro, por trás do discurso da "adequação" burocrática, o que Rui Costa está defendendo são os interesses de setores que desejam o alargamento dos mercados de água no País. 

Trata-se de um "cheque em branco" que autoriza o acionista majoritário da Embasa, no caso o Governo do Estado, a definir como e quando privatizar a empresa. Isso sem passar pelo escrutínio do debate público e até mesmo sem a presença do poder legislativo. 


*Hilton Coelho é deputado estadual (PSOL-BA), historiador, ativista dos movimentos populares e membro da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público, assim como da de Direitos Humanos e Segurança Pública, na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). Também na Alba, entre 2019 e 2021, foi titular da Comissão Especial da Promoção da Igualdade.