Milícias na Bahia: a tragédia está anunciada. Mas governo do Estado prefere fechar os olhos.
Por Débora Menezes


Por Débora Menezes*


Os povos do Cerrado baiano vivem aterrorizados por milícias rurais, um dos braços do crime organizado que se atualiza no Estado e ameaça a vida das comunidades guardiãs de uma das regiões mais ricas em biodiversidade do planeta. Eliminar essas populações tradicionais é o velho caminho dos processos de tomada de territórios, de colonização, marcados pela violência e etnocídios. A cobiça genocida sobre a savana baiana é expressa por empreendimentos do agro e da mineração. Mas o sangue também cobre as mãos do Estado. "Deixar morrer" também é crime! E o Estado precisa pagar por isso. 

Um dos episódios mais recentes ocorreu no dia 6 de novembro, com dois anciãos do fecho de pasto do Capão do Modesto. "Seu João, 81 anos, viu um motoqueiro se afastar e outro homem, moreno e alto, cortando o arame e destruindo a cerca instalada para os animais da comunidade não fugirem", descrevem Paulo Oliveira e Thomas Bauer, em artigo para o portal da Campanha Cerrado. De acordo com a denúncia, o jagunço ameaçou matar os animais e seus donos, caso os bois da comunidade não fossem retirados do local. O forasteiro revelou ainda que "veio do Mato Grosso para resolver a situação".

É esse tipo de violência que as comunidades de fundo e fecho de pasto dos territórios tradicionais em Correntina vêm sofrendo. Apesar de as lideranças locais já terem acionado as autoridades públicas - do Ministério Público ao Governo do Estado -, nada vem sendo feito. Essa é uma situação gravíssima e que acumula inúmeras violações de direitos humanos contra as comunidades tradicionais do cerrado baiano.

Quem sabe quando o governo da Bahia for denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ou se tornar réu por omissão no Tribunal de Haia, onde são julgados crimes contra a humanidade, haja mais sensibilidade pelas vítimas do racismo e terrorismo ambiental.

A Bahia é o terceiro estado brasileiro com maior índice de violência no campo. E é o segundo com maior número de assassinatos de indígenas, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CMI).

O debate público sobre povos originários e comunidades tradicionais no Brasil deve ser estimulado a partir de políticas públicas interseccionais. O tema da redação do Enem deste ano sobre esses segmentos (um verdadeiro e bonito protesto de professoras e professores colaboradores que construíram as questões das provas em pleno governo fascista) é um bom exemplo de como disseminar discussões públicas a respeito dessa agenda urgente. Cerca de 3,4 milhões de pessoas tiveram de refletir sobre a valorização desses povos e comunidades violentados, inclusive, pelo próprio Estado, como temos visto.

O governador da Bahia recém-eleito, que assume publicamente ser descendente de povo originário, precisa ser coerente com as lutas ancestrais e urgentes, e tomar providências para a contenção e a erradicação da pistolagem de milícias rurais espalhadas pela Bahia. Isso entre outras diversas revisões das políticas devastadoras de direitos aplicadas por seu antecessor, Rui Costa. Mas como não podemos confiar em gestões que já viraram as costas para os movimentos populares, seguimos lutando, na Resistência.


*Débora Menezes é jornalista e assessora do mandato da Resistência.

 

Imagem: Reprodução/Campanha Cerrado